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O Triângulo das Cuecas: "O Homem que foi para a América para fugir da própria Sombra" I

Thursday, April 24, 2008

"O Homem que foi para a América para fugir da própria Sombra" I


A noite estava fria e chuvosa lá fora, num Inverno não muito rigoroso para os demais, mas gélido para ele.
Não importava quantos cobertores tinha sobre si, que o aquecedor estivesse no máximo e que o seu pijama fosse digno de uma expedição ao Pólo Norte, o frio não o abandonava.
Deitado na sua cama, contemplando a chuva que caía na vidraça e brilhava com as cores das luzes da cidade, o homem pensava e tremia, com um gelo que lhe vinha da alma e lhe inundava o sangue.
Ele já tivera tudo. Ele já se sentira no topo do mundo, Hércules entre comuns mortais, pilar de apoio para tantos... No entanto, tal como o herói que tanto fez durante os seus trabalhos, também ele, constatava agora, se encontrava destroçado por dentro.
A tragédia, via ele finalmente, foi que nuca antes perdera um segundo a ponderar o caminho que percorria.
Ambos, homem e herói, caminhavam com pesar. Mas enquanto um sabia e sofria, o outro ignorava e andava.
Já a sua mãe lhe dizia: "Até um cego encontra melhor o seu caminho que um estouvado". Ali no seu quarto, pensando e tremendo, chegou à conclusão que esse seria o nome adequado para o que ele fora e ainda era no presente: um estouvado.
Desperdiçando os melhores anos da sua vida, estragando todas as oportunidades que teve de ser alguém, confiando nas pessoas erradas e finalmente não confiando em ninguém... Eis como ele tinha chegado à sua presente situação: sozinho, num local estranho, reflectindo na vida sem saber de onde viria a sua próxima refeição mas, pior que tudo, com demasiada vergonha de si mesmo para se achar digno de merecer a ajuda fosse de quem fosse.
A luz do computador tinha um estranho brilho, reflectindo a luminosidade do ecrã nas paredes e fazendo-o lembrar de casa, do seu quarto e de como essa mesma luz se costumava reflectir nessas paredes, tão familiares e agora tão distantes.
Parecia ter passado uma vida... Quando ele olhava para trás e recordava tudo o que fez, tudo aquilo por que passou, via que tinha sido realmente uma vida. A sua vida, que lhe passou diante dos olhos e escorreu entre os dedos antes que ele tivesse coragem de fechar o punho.
Agora era demasiado tarde. E com esste pensamento de lamento e dor refugiava-se uma vez mais na sua cobardia.
«Ainda bem que aqui não há ninguém que me conheça» - pensava o homem nos seus piores momentos. O que diriam os seus amigos, não aqueles que ele quisera por força convencer-se que eram seus amigos, mas os únicos que realmente o tinham sido e que ele empurrara para fora da sua vida, se o visse nesses momentos.
Alguns, aqueles que ele mais magoou com os seus comportamentos, as suas palavras e a sua indiferença, provavelmente diriam que foi bem feito, que foi esse o caminho que ele escolheu.
Outros, os que o conheciam melhor, talvez lamentassem e lhe perguntassem como poderiam ajudar, com olhares de pena mas braços abertos.
Os seus pais... ele não sabia como seria se os visse. Talvez o recriminassem (algo que ele sabia que merecia), talvez o repudiassem (algo que ele temia embora no fundo não acreditasse que acontecesse), ou talvez o recebessem com lágrimas nos olhos e amor incondicional pelo filho pródigo que tornava a casa depois de tanto tempo perdido.
Era talvez este o pensamento que mais lhe doía, que aqueles que ele mais culpava pelo seu exílio fossem os primeiros a o perdoar pelos seus erros.
Custava-lhe compreender como levou tantos anos para parar e pensar. Honestamente,ele sabia o porquê da demora. A cobardia de colocar o dedo na ferida foi o que o impediu, durante tantos anos, de ver o caminho que fazia. Desde criança...

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